A aprovação da primeira vacina contra a covid-19 em alguns países da Europa, a divulgação do plano de imunização contra o coronavírus no Brasil lança alerta sobre os insumos necessários para a vacinaçãoem massa.
Apesar dos avanços importantes, a pandemia está longe de acabar. E há uma etapa muito importante que é pouco mencionada quando o assunto é vacinação para o Covid-19. .
São coisas simples, como seringa, algodão, caixa térmica, saco plástico, luva descartável, e outras mais complexas, como refrigerador, freezer, sistemas informatizados e logística de distribuição e transporte dos lotes.
Por mais que o mundo já tenha experiência com iniciativas de vacinação em larga escala, a pandemia atual vai exigir uma verdadeira operação de guerra.
Se considerar a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de imunizar 20% da população global no próximo ano, fala-se de 1,5 bilhão de pessoas contempladas em 12 meses.
Como a maioria das candidatas mais avançadas precisam de duas doses para surtir efeito, isso significa uma necessidade de 3 bilhões de vacinas e a mesma quantidade de seringas e agulhas. Os números também são gigantescos quando se coloca na ponta do lápis todos os demais equipamentos básicos citados acima.
No Brasil o desafio será enorme. Afinal, é um país com dimensões continentais, com regiões de difícil acesso e muita desigualdade.
Um ponto favorável é a larga experiência do país com projetos desse tipo. "O Programa Nacional de Imunizações (PNI) existe há 47 anos. Nós possuímos capacidade, organização e estrutura. Estamos acostumados a fazer vacinações em massa e temos ótimos exemplos disso na nossa história, como as campanhas contra a varíola, a poliomielite e a gripe", defende a enfermeira Mayra Moura, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
O tamanho do PNI realmente impressiona. Atualmente, o país possui 38 mil salas de vacinação. Em épocas de campanha, esse número pode ser ampliado para 50 mil.
No total, são 114 mil vacinadores, o que significa uma média de três profissionais trabalhando em cada uma dessas unidades. Tudo é gerido dentro do guarda-chuva do Sistema Único de Saúde, o SUS, e está disponível a todos os cidadãos.
O grande temor é que os prazos apertados prejudiquem a entrega desses materiais e atrasem o início das campanhas, marcadas provisoriamente para o primeiro trimestre de 2021.
Também há dúvidas sobre a disponibilidade de matéria-prima, pois alguns componentes usados na manufatura são importados. Como todos os países do mundo precisarão comprá-los, há o risco de falta de estoques e aumento de preços.
"O que nos deixa preocupados é que aparentemente o governo federal não tomou algumas medidas que poderiam ter sido antecipadas, e isso pode dificultar o acesso a certos produtos", observa a médica Ana Maria Malik, coordenadora do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGVSaúde), em São Paulo.
Segundo a especialista, podemos viver um cenário parecido ao que ocorreu no início da pandemia, em meados de abril e maio. "Naquele período, havia uma absoluta escassez dos respiradores e de equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas", lembra.
Numa situação normal, a compra dos insumos de vacinação é feita pelos governos estaduais. Eles são responsáveis por adquirir os materiais e encaminhar para os municípios, que fazem a distribuição pelas unidades de saúde. Mas, com a absoluta urgência da pandemia, o Ministério da Saúde já declarou que também vai adquirir os produtos e coordenar as ações.
Mas qual a disponibilidade de alguns desses materiais? E será que o Brasil pode responder a essa demanda? A BBC News Brasil ouviu algumas entidades representativas do setor para entender a capacidade de produção interna e como isso pode impactar na vacinação contra a covid-19.
Por outro lado, há uma certa apreensão em setores da indústria que fabricam os insumos, como os responsáveis por refrigeradores e seringas. Eles relatam que não receberam qualquer contato do governo e ainda não sabem o que precisarão produzir para a atender à demanda que virá nos próximos meses.
Essa falta de contato e a eventual demora no planejamento e na aquisição de insumos têm os mais diversos impactos. Além de um possível atraso da própria campanha de vacinação, o que afeta a saúde de toda a população, a economia pode acabar abalada.
Afinal, com mais países competindo por um número limitado de matérias-primas e equipamentos, o preço tende a subir. Caso exista a necessidade de importação, o dólar alto e uma relação diplomática atribulada com a China, o principal exportador de muitos dos insumos essenciais, são ingredientes que complicam ainda mais essa história.