A América do Sul não é mais considerada uma "área livre" de conflitos. É o que diz a nova Política Nacional de Defesa (PND), que será encaminhada ao Congresso na próxima semana. Numa atualização da diretriz preparada em 2016, o texto ao qual o jornal O Estado de São Paulo teve acesso destaca a possibilidade de "tensões e crises" no continente, que podem levar o Brasil a mobilizar esforços na garantia de interesses nacionais na Amazônia ou mesmo ajudar na solução de problemas regionais.
Sem citar nominalmente a Venezuela, o trecho sobre política externa do documento avalia "possíveis desdobramentos" das crises nos países vizinhos. A reportagem apurou que o principal foco de tensão se refere a ações do regime do ditador Nicolás Maduro. A América do Sul não é palco de um conflito armado entre países desde a Guerra das Malvinas, que opôs Argentina e Reino Unido, em 1982.
Em 21 páginas, a Política Nacional de Defesa do Brasil traça cenários internacionais para o ambiente regional e assinala que é papel do país "aprofundar laços" no continente. Uma das novidades da nova versão do documento do Ministério da Defesa, porém, é justamente o alerta para as possibilidades de conflitos. "Não se pode desconsiderar tensões e crises no entorno estratégico, com possíveis desdobramentos para o Brasil, de modo que poderá ver-se motivado a contribuir para a solução de eventuais controvérsias ou mesmo para defender seus interesses", diz o texto.
O documento pede, ainda, atenção especial ao Atlântico Sul, onde se concentram as reservas do pré-sal — entre o Brasil e a África Ocidental. Nesta região também houve, recentemente, derramamento de óleo por navio desconhecido que causou danos ambientais ao litoral brasileiro.
A chamada Amazônia Azul enfrenta impactos de ilícitos transnacionais, inclusive suspeitas de espionagem por navios estrangeiros. Em fevereiro, a Marinha brasileira monitorou durante uma semana um navio russo de pesquisa e inteligência, acusado de espionagem por países da Europa e pelos Estados Unidos.
Além do Atlântico Sul, a política de Defesa mantém como prioridades regiões onde se concentram os poderes político e econômico — Brasília, Rio e São Paulo —, a faixa de fronteira com os vizinhos sul-americanos e a Amazônia.
Além do risco de conflitos armados, pela primeira vez, os tratados que compõem a Política Nacional de Defesa incluem no radar do governo desdobramentos das mudanças climáticas e de pandemias. O texto da proposta destaca que estes fenômenos poderão "acarretar consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas pedindo pronta resposta do Estado".